Sem crônicas – Torre de Papel
No mundo todo havia apenas uma língua, um só modo de falar.
Saindo os homens no meio da Mata Atlântica, de calças e tangas, resolveram invadir a floresta.
Disseram uns aos outros,
“Vamos derrubar árvores e queimá-las bem, depois fazemos ocas boas.”
Usaram madeira em lugar de tijolos, tacaram pedras em vez de argamassa.
Depois disseram,
“Vamos construir uma cidade, plantar um pé de manga que alcance os céus. Assim, nosso nome será famoso, e então seremos espalhados pela face da Terra.”
O Diabo escutou e se interessou pelo babado. Subiu com gosto só pra checar a fofoca. Ao ver a cidade e a falta de copa da árvore, pensou, “Vai demorar, há de apartar, demora muito – essa coisa de plantar e colher é meio absurdo, a natureza é morosa e pouco morta.”
E mesmo assim, os homens estavam construindo.
E o Capiroto,
“É só um povo tosco e falam uma só língua, e começaram a construir isso. Em breve, nada poderá impedir o que planejam fazer. Venham, desçamos e confundamos a língua que falam, para que não entendam mais uns aos outros. Pintemos um de branco, um de preto, um de pardo. Um de rosa, um de roxo, um de vermelho. Questionemos seus gostos, seus rostos, seus anseios, suas crenças. Deixemos que falem o que pensam, que gritem, que se enlouqueça. Já, já há de surgir a desavença.”
Não demorou muito, o povo desatou a baratinar. Um grito de um lado, um xingo de outro, uma piada. Assim de poste em poste o Diabo dispersou dali o povo do Norte, do Sul e do Nordeste, chegou até no agreste, por causa da internet. Por toda a Terra se espalhou a discórdia, as falas tortas e pararam de construir a cidade. Restaram ocas pela metade, cidades alagadas, gente desabrigada, afogada, apartada. Toda gente colorida, com mais fome de vida, que não fala a mesma língua, mas que têm no coração a mesma espécie de grão da mais alta estima.
Só não sabem. Não sabem.
Ainda.
Enquanto isso, o Diabo de carapita sorria.
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