Sem crônicas — Empatia

Izabella Cristo
2 min readApr 25, 2021

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Não é sempre. É só de vez em quando.

Só quando tenho tempo. Quando por vezes a vida vem e me dá uma alfinetada de sentimento, e então acontece: lanço o amor fora de mim.

É como seu eu saísse do meu corpo. Esqueço do meu umbigo. O mundo já não gira de dentro para fora. Abandono qualquer queixa vil a dominar meu corpo e me ponho como espectador da vida do outro.

É muito estranho. Não estou deveras acostumado. Parece no início tão confuso, como se estivesse olhando através da neblina pelo lado errado.

Eis que neste rápido lampejo percebo que nem todo universo é composto apenas daquilo que vejo. Existe algo mais além. Existe o outro alguém. Existe outro corpo. Há vida além do que consta em meu bolso ou do que carrego comigo.

Não prossigo. Sou de prontidão consumido por um doce amargor de pena. Alma pequena pensa dessa maneira. Não consegue perceber algo contente quando a alegria não é para si. Me ponho a contento de outro ser indigno de merecer qualquer parte. Seja por alguma falta ou uma sobra que lhe cabe. Seja falta de dinheiro, a falta de modos, a falta de saúde, as sobras de dor. A ausência de atitudes.

Mas a náusea não dura muito. Logo vejo que, no fundo, tudo se trata da falta de amor. Sou invadido, então, por este avassalador preenchimento, que me recheia e, sem nenhuma cabimento, não sendo por si o suficiente, transborda e a todo custo quer invadir minha alma. Nada disso me acalma.

Parece que sou tomado por alguma coisa louca. Saio lançando lanço esses pedaços de amor pelos cantos. Lanço no outros. Quero ser o outro. Quero ser feliz num outro corpo. Quero ser outro também. Quero ir mais além. Quero ser apenas um. Quero ser o Universo, um pedaço imerso num todo. Quero que todas as outras coisas façam parte disto comigo. Quero ser o abrigo. Irmão e conteúdo.

Desejo o bem, o alimento; desejo a sorte e a melhora da morte. Desejo o infinito, a esperança das crianças, as bonanças, como se fossem todas para mim. Almejo de âmago que o mal tenha o seu fim.

Só assim me sinto pleno e triste. Incompleto em riste.

Quando enlouquecido, tento de pronto partir para alguma ação efetiva. Necessito fazer alguma coisa pela vida. Jogo uma esmola. Faço caridade. Deixo passar a vez. Digo palavras de consolo. Rezar pelo morto. Acalento meu breve desespero.

Tão logo ouço alguma buzinada da vida, acordo para a sanidade e recupero a sensatez, retornando ao trânsito da minha jornada.

Passou a dor da agulhada.

👏👏👏👏

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Izabella Cristo

Me Escondo Aqui. Escritora✒️, Cirurgiã🔪Mãe👻,em relacionamento sério com as palavras. Livros: Vida Nada Moderna, Retratos da quarentena. www.izabellacristo.com