Sem Crônica s — Ensaio do Chocolate

Izabella Cristo
3 min readJan 21, 2023

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Eu só te dei um chocolate.

Separei um pedaço de doce do meu coraçãozinho. Reservei com carinho, não fui eu quem embalou, mas fiz a encomenda. Um pedaço de doce.

“O que eu faço com isso?”

Eu não sei.

Não sei bem o que se fazer com chocolates.

Não sei onde você o guarda. Não sei se come, se passa.

O que fazer com a admiração de alguém?

Eu só te dei um chocolate, não tenho outra coisa para oferecer.

Talvez possa te oferecer palavras. Abraços. Empatia. Compaixão.

Talvez você não queira.

Posso te oferecer conhecimento? Uma consulta, um atendimento?

Você não precisa. Ainda.

Vai precisar um dia. Talvez, Deus queira, não das minhas mãos.

Talvez te ofereça gotículas de talento. Um livro em desenvolvimento. Uma dor cantada ao vento. Essas você já tem de sobra.

Eu só tenho um chocolate, o meu pobre chocolate, que não é dos finos, não é do mundo dos granfinos. É manufaturado, feito pelas mãos de uma mulher com carinho. Como as cartas de amor de antigamente, os chocolates da expiação.

É meu chocolate.

É só um arremate de gratidão, com granulado de admiração.

Não é um contrato, não exige um advogado para que seja aberto ou consumido.

Não é de prestígio, nem procura ser.

Não está envenenado. É só um pedaço de amor compartilhado. Não o veja assim, tão desconfiado.

Um chocolate é só um chocolate, para te agradecer a vida, por um momento que seja. Para marcar de açúcar refinado um momento doce de história que se vai.

Eu não fiz festa. Não cerquei uma mesa de jantar, não tenho uma sala ampla. Minha casa não é ampla, não tenho uma escrivaninha magna de escritor, não tenho nem escritório. Meus manuscritos são notas de rodapé. Não tenho folhas de ouro, não guardo tesouros, nem cofres, mas tenho aqui muita riqueza.

Porque mesmo nas folhas velhas e secas, de uma casa apertada, vejo beleza. Nas pontes da dor, do desabrigo encontro a força, o amor, vejo o melhor (e o pior) do ser humano. Vejo pedaços incompletos de gente desabando e os transformo em alegrias do cotidiano.

Um chocolate é só um chocolate, mas, tens razão, não é só um chocolate.

É mágica.

Mas não da forma usual que se pensa, não com interesse em te tomar nada. Em te extrair favores, ou qualquer coisa que valha a pena para mim. O chocolate é um pedaço de mim, deles, de nós, que te damos. Compartilhamos o meio amargo viver.

Sua incerteza em recebê-lo, me faz repensar se sabes o que fazer com o amor inesperado. Com o acaso.

A insegurança de se obter carinho por si só já falha a transmissão.

Mas o amor é forte, tinhoso. Escapa pelas frestas, areia que se esgueira, mar revolto.

Quem sabe ele se entranhe dentre pedaços perdidos de ti um dia. Que engasgue no teu eu mais profundo, nas entranhas secretas de dor e faça tua vida um trisco mais doce.

Ou só te de uma dor de barriga.

Alguns segundos de liberta doçura, talvez a cura de algum pedaço de amargura.

Quem sabe?

Eu só te dei um chocolate.

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Izabella Cristo

Me Escondo Aqui. Escritora✒️, Cirurgiã🔪Mãe👻,em relacionamento sério com as palavras. Livros: Vida Nada Moderna, Retratos da quarentena. www.izabellacristo.com