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Sem crônicas – Homo Platis

2 min readJul 6, 2025

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Deus não me deu asas, mas me deu duas boas omoplatas. Ornam poderosas no meu dorso alto.

Com elas eu não voo, não me movo, mas elas conectam ao tronco meus braços, cujas mãos eu levanto, abano, faço mímicas, dou socos, carrego bambinos, toco piano, conserto corpos, escrevo, e dou cumprimentos em gestos curtos, em vez de pontapés, o que muitas vezes é a minha genuína vontade.

As omoplatas não são asas, não, mas são ossos de charme, empoderam as costas, nos fazem repensar nos anjos, ou nos demônios, em corpos sinuosos, nos músculos oblíquos e serráteis do tronco, esses feixes de filetes tão belos, tão poderosos do atleta arqueiro ou do atirador. Me curvam a coluna, me submeto às mais injustas calúnias em acerto às convenções, como me elevam a postura enquanto tento apertar em vão o rei na barriga e me esticam, assim, o reto abdominal em falha, esse bucho que nos teima em dizer que a verdade toda está dentro de algum si mesmo.

Todo mundo sabe que não existe verdade absoluta em órgão nenhum, não que alguém ligue, não há certeza que sobreviva às leis das impurezas e mentiras do mundo. A verdade, já se sabe, não está também fora, não está no agora, no futuro, em lugar algum. Mas se estivesse escondida, eu diria, sem titubear ou mesquinhar dúvida, que ela se embrenharia pelas omoplatas. Ah, as escápulas, seu esbelto segundo nome, esconderiam a verdade dos homens, que, de repente, escaparia tangente pelas laterais, emanando como galhos, como asas, ah, as omoplatas nos transformariam em suntuosos animais.

Mas somos apenas homens. Com braços e pernas. Carregados. Limitados. Com nomes próprios. Nada sapiens. Colunas que insistem em usar apenas duas patas para caminhar. Insistimos em andar com o maior eixo possível contra a gravidade, ah, essa força implacável que insiste em te puxar à terra e que um dia há de ganhar.

Assim, senhores, precisamos de braços, das frontais e frondosas asas à frente, para fazer alguma coisa d’alguma coisa, para chegar mais do que em algum lugar: ir além.

Preciso, portanto, de dedos, de unhas, de garras. Para me ser útil. Para que a vida valha. Quero volar, mi amore, ser diferente, ir adiante. Mas o mesmo universo que me come não me fez fada, não aceita incongruências, tampouco sou borboleta, estou mais para lesma, fujo de casulos e me transformo devagar, aos poucos e por partes.

É para ligar tudo, para conectar meus desejos com o mundo que necessito das minhas omoplatas.

Deixe-as aqui, próximas, comigo. Pertinho. Vai que, quem sabe, acordem num alvorecer e mudem de ideia.

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Vamos trocar ideias?

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Izabella Cristo
Izabella Cristo

Written by Izabella Cristo

Me Escondo Aqui. Escritora de prosa e poeta✒️ Cirurgiã🔪Mãe👻 Prêmio Caminhos com o romance mãezinha @sementinhahq @izabellacristoautora www.izabellacristo.com

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