Sem crônicas – A morte do livro
A gente escreve e morre.
A gente morre, escreve, reescreve e morre.
A gente morre, mata a palavra, escava, raspa, cava, afunda e morre. Morre de novo e mata.
A gente mata as palavras.
Mata, as amassa, faz argamassa do que nos resta. Acha que não presta.
Não presta.
Joga fora, ignora o senso comum, houve o eco, sente a espora na cabeça e vomita.
Jorra amostra de frases aleatórias que você esguicha de novo na página.
A dúvida engancha, curva turva, enfiada como lança no cocoruto da cabeça. Cravada como faca no osso parietal. Já era.
Mas, que nada, quem comanda são os neurônios da frente, o lobo solitário e fervente da mente frontal que desce quente más ou as raras boas ideias pelo sistema límbico. Desconfio que escorregue o néctar da inlucidez pela coluna e atinja o âmago do centro da gravidade, cause náusea e te mate.
A gente morre.
Morre e descreve.
Alerta, reescreve, de súbito vem a ideia que parece melhor, parece que há de consertar tudo, está lá, está aqui, está além dos muros e mudos espaços de silêncio entre as palavras.
Rabisca, edita, apaga e mumifica, modifica e acha que o que era forma de antes parecia, em alguma espícula, melhor.
Mas o que era? O que era?
O que era mesmo o escrito de concreto?
Já não o sei, morreu.
Virou pó.
Virou escuro.
Absurdo.
É um abuso, o obtuso que escrever faz comigo. Comigo e com todo aquele que ousa escrever.
Para quê? Para quê?
Pára-quedas.
Me morre, me mata mil vezes.
E eu permaneço com essa sede de poeta que não nega fogo, que não nega,
Não nega.
Que não nega a morte,
que só quer a sorte de ser
Fênix.
E mudar.
Esse herói tosco de meia tigela, de meias palavras, de significados incompletos.
O herói que já nasce morto, fadado ao insucesso.
O zumbi, o espírito, o orbe, o corpo intérprete reencarnado de si mesmo.
Cadáver corajoso.
Disposto morrer diversas vezes.
Para sempre,
até morrer.