POESIA — Reciclada

Izabella Cristo
2 min readJun 13, 2022

Às vezes eu só queria ser de vidro

Mas sou feita de acrílico

Plástico duro e seco transparente

Não sou cristal

Nada sou de metal

Nada de frio

Nada de correntes

Às vezes, só algumas vezes, queria ser eu de vidro

Estilhaçar os pedaços do meu umbigo

Espatifar-me ao chão

Estraçalhada como grãos

Só para dar um trabalhão para alguma vassoura cadente

Às vezes seria um boa serventia

Vestir uma capa de boa moça

Doula

Daquelas que nunca ouviu falar de rola

Às vezes, mas só às vezes

Eu queria ser era de vidro

Representar o perigo daquilo que é bonito

O brilho que pode cortar

Ou te dar sete anos de azar

Se você pressionar de maneira mais forte

Mas eu sou de acrílico

Copo plástico que veio do Norte

E ser cumbuca é a minha sorte

E minha sina

O manual de boa menina

Ficou na esquina da rua furada

Pegou chuva e está rasgado

Li algumas folhas ao contrário

E joguei o final lá pro fundo do armário

Para esquecer de fazer o inventário

Às vezes eu só queria ser de vidro

Beijar numa taça bocas ricas de vinho tinto

Mas eu sou feita de acrílico

Rebobino fitas

Me lavam, me secam

Me levam, me regeneram

Me usam de copo e me põem na pista dos aniversários

Reutilizam às escondidas

Para salvar o meio ambiente

Mas na hora do brinde

É o brilho do champanhe que incide nas mãos à frente

Eu ali, toda lavada

Arranhada e opaca depois de tantas buchas

Sobrevivendo no escorregador da velha pia

Até que um dia

Toda rachada

Cairei na lixeira

Sorte se for na das recicladas

Não custa, te dar aquela relembrada.

Eu sou feita de acrílico.

Não jogues em qualquer lata de lixo.

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Izabella Cristo

Me Escondo Aqui. Escritora✒️, Cirurgiã🔪Mãe👻,em relacionamento sério com as palavras. Livros: Vida Nada Moderna, Retratos da quarentena. www.izabellacristo.com