Poesia — Cristaleiras
Às vezes eu só queria ser de vidro
Mas sou feita de acrílico
Aquele plástico duro e seco transparente
Não é cristal
Nada de metal
Nada de frio
Nada de correntes
Às vezes, só algumas vezes, eu queria ser de vidro
Estilhaçar os pedaços do meu umbigo
Estraçalhar-me ao chão
Dar um trabalhão para alguma vassoura
Vestir a capa de boa moça
Doula
Daquelas que nunca viu uma rola
Às vezes, só às vezes
Eu queria ser de vidro
Representar o perigo daquilo que é bonito
Mas pode cortar
Se você tentar pressionar de maneira mais forte
Mas sou de acrílico
Vim do Norte
E ser cumbuca é a minha sorte e minha sina
O manual de boa menina
Está rasgado
Li ao contrário
E escondi o final no fundo do armário
Esqueci de fazer o inventário
Às vezes eu só queria ser de vidro
Beijar numa taça bocas ricas de vinho tinto
Mas eu sou feita de acrílico
Rebobino fitas
Me lavam me secam
Me usam de copo de novo nos velhos aniversários
Reusam às escondidas de toda gente
Para salvar o meio ambiente
Mas na hora do brinde
É o brilho do champanhe que incide à frente
Eu fico ali, toda lavada
Arranhada e opaca de tantas buchas
Sobrevivendo no escorregador da pia
Até que um dia
Toda rachada
Cairei na lixeira das recicladas
Eu sou de acrílico
👏🥰