Poesia — Cristaleiras

Izabella Cristo
2 min readOct 3, 2021

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Às vezes eu só queria ser de vidro

Mas sou feita de acrílico

Aquele plástico duro e seco transparente

Não é cristal

Nada de metal

Nada de frio

Nada de correntes

Às vezes, só algumas vezes, eu queria ser de vidro

Estilhaçar os pedaços do meu umbigo

Estraçalhar-me ao chão

Dar um trabalhão para alguma vassoura

Vestir a capa de boa moça

Doula

Daquelas que nunca viu uma rola

Às vezes, só às vezes

Eu queria ser de vidro

Representar o perigo daquilo que é bonito

Mas pode cortar

Se você tentar pressionar de maneira mais forte

Mas sou de acrílico

Vim do Norte

E ser cumbuca é a minha sorte e minha sina

O manual de boa menina

Está rasgado

Li ao contrário

E escondi o final no fundo do armário

Esqueci de fazer o inventário

Às vezes eu só queria ser de vidro

Beijar numa taça bocas ricas de vinho tinto

Mas eu sou feita de acrílico

Rebobino fitas

Me lavam me secam

Me usam de copo de novo nos velhos aniversários

Reusam às escondidas de toda gente

Para salvar o meio ambiente

Mas na hora do brinde

É o brilho do champanhe que incide à frente

Eu fico ali, toda lavada

Arranhada e opaca de tantas buchas

Sobrevivendo no escorregador da pia

Até que um dia

Toda rachada

Cairei na lixeira das recicladas

Eu sou de acrílico

👏🥰

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Izabella Cristo

Me Escondo Aqui. Escritora✒️, Cirurgiã🔪Mãe👻,em relacionamento sério com as palavras. Livros: Vida Nada Moderna, Retratos da quarentena. www.izabellacristo.com