Materna Idade — Fermento

Izabella Cristo
3 min readFeb 1, 2023

O filho cresce, a gente até quer que ele cresça, mas não quer.

Quando o filho da gente cresce, algo no mundo se remexe.

É como uma seiva, uma receita de bruxa dentro da caldeira. A gente sabe que a mágica vai render uma boa receita. Mas borbulha, ebule, a gente não aceita. Quer remexer a caldeira e de vez em quando se queima.

O filho cresce, mas a gente não quer que ele cresça. Fica lá agarrada, segurando o molde antigo que passa a fermentar. Quer segurar a migalha do tempo que passa, esse relógio louco que teima em passar veloz, ponteiros voando na nossa cara. Antes a teta era pesada, as noites eram sombrias, a falta de sono, o fastio, o cansaço, a cama era apertada. O cansaço. Uma casa, uma vida revirada, várias casas bagunçadas, os fios de tomada desencapada que antes ameaçavam, agora são fios de cabelos arrepiados diante dos perigos que os postes e as ruas e os homens oferecem.

Os filhos cresce, ah se crescem, mas você não quer vê-los crescer. Porque vê-los crescer é admitir para si mesmo que você está ficando velho, que já não tem mais o mesmo desempenho, que aquele tempo já passou para você.

Eles crescem, os filhos, e destinam a viver, muitas vezes as mesmas coisas que você, pois você faz questão, outras não, você não deseja. Quer que eles vivam o novo, o quer o que esse tal de novo seja, outras coisas, novas coisas, que não cometam os mesmos erros dos seus. Que cheguem ao apogeu daquilo que poderia ser.

Os filhos crescem, ah se crescem, fermentam, incham, dobram, desdobram, encolhem as roupas, desperdiçam as coisas, ah quanta coisa, os objetos que você não viu um dia sequer serem utilizados, de repente, caem na sua cabeça. Bagulhos inúteis dos armários, sobram novos espaços e você não sabe o que fazer com o velho passado que ainda não arrefeceu para você.

Os filhos crescem, ah se crescem, crescem na nossa cara. Ousam mostrar como navalha, nos passos, nos risos, nas aventuras, nos choros e nas alegrias a incisa soberania do tempo. E na verdade toda essa sua raiva, toda a revolta nada mais é do que a sua absoluta derrota contra o tempo.

O tempo. Essa massa de coisa incógnita que você não domina, que você insiste em achar nos ponteiros alguma logica, ele vem e te entorta nas memorias e transforma em minutos o presente em história.

O filho cresce, mas você não cresce, ninguém cresce porque de fato, ninguém quer crescer. Quando nos damos realmente conta do que é envelhecer, já estamos velhos. Estamos sábios demais, velhos demais, sábios demais para um corpo que já não é tão jovem.

Os filhos crescem, queremos que cresçam, mas queremos estar com eles, ser como eles, viver e compartilhar o mundo, mas já não somos os mesmos. E somos os mesmos. Ainda sou aquele menino com a bola, sou a moça de salto, o sonho, o desejo a aspiração.

Sou velho, mas veja, eu ainda sou jovem, ainda tenho muito pra te ensinar sobre a vida. Porque eu cresci, mas no fundo, eu só queria voltar a ser criança.

O filho cresce. A gente cresce.

A gente só quer crescer, e crescer, mas a vida seria casta de sentido se tudo fosse infinito.

A graça é essa: envelhecer.

O filho cresce. A gente cresce. Que assim seja, até o escurecer.

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Izabella Cristo

Me Escondo Aqui. Escritora✒️, Cirurgiã🔪Mãe👻,em relacionamento sério com as palavras. Livros: Vida Nada Moderna, Retratos da quarentena. www.izabellacristo.com